quinta-feira, 16 de maio de 2024

Entre Vivos e Mortos

Faz pouco tempo publicamos um post sobre magia, com um foco mais direcionado à relação da magia com o Egito no mundo greco-romano. E, no meio das pesquisas para escrever aquele post, uma coisa que se destacou foi o entrelaçamento da magia com o mundo dos mortos. Esse entrelaçamento não se dava apenas na magia, mas também na prática religiosa oficial de Roma.

A religião em Roma era razoavelmente complexa, havia muitas atividades e rituais religiosos e cada um deles deveria ser realizado pela "pessoa" e do jeito corretos. Alguns rituais eram realizados pelos flamines, os sacerdotes pagos pelo tesouro de Roma, outros pelas Vestais, as virgens que mantinham o fogo eterno de Vesta, outros ainda pelas autoridades da República ou das Legiões, mais uns por diversos grupos de sacerdotes e religiosos como os Sálios, os Arvais, os Tícios, etc. Sobrava até alguns rituais que deveriam ser realizados no ambiente doméstico, esses principalmente pelos paterfamilias, o patriarca da família.

Lares, penates, genii, etc. O altar doméstico vivia lotado.
Original por ArchaiOptix - trabalho próprio, CC BY-SA 4.0

Fazia parte das tarefas do paterfamilias fazer o culto a vários espíritos e divindades domésticos: lares, penates, genii, etc. Sendo sincero, as definições relativas a essas entidades são bem confusas e a mitologia a respeito delas vai mudando com o tempo, lugar e fonte consultada. Para esse texto o que interessa é que algumas delas são espíritos dos ancestrais da família ou ligados diretamente àquele local (casa, cidade, Legião, etc) e que existe um culto prestado pelo paterfamilias, ligando os familiares vivos com os mortos.

Se os espíritos dos ancestrais estavam tão presentes na vida dos mortais de Roma, imagina como deve ser para os descendentes dos deuses? Os olhos de semideuses e legados podem enxergar através da Névoa, conseguem ver deuses, monstros, seres mágicos... Bom, não precisa imaginar, ao menos na visão do Rick Riordan temos uma boa descrição dessa mistura entre vivos e mortos n'O Filho de Netuno:

Para sorte de Percy, ele não tinha medo de fantasmas. Metade das pessoas no acampamento estava morta.
Guerreiros roxos translúcidos postavam-se do lado de fora do arsenal, polindo espadas etéreas. Outros passavam o tempo diante dos alojamentos. Um garoto fantasmagórico perseguia um cachorro fantasmagórico pela rua.

Todos esses fantasmas são chamados de lares no Riordanverso e podemos ver só por esses parágrafos que tem uma certa variedade: guerreiros, crianças, cachorros... Em seguida a Hazel e o Frank explicam um pouco melhor para o Percy o que são essas presenças:

— Estou vendo coisas? — perguntou. — Ou aqueles são...
— Fantasmas? — Hazel se virou. Seus olhos eram impressionantes, como ouro quatorze quilates. — Eles são Lares. Deuses da casa.
— Deuses da casa — repetiu Percy. — Tipo menores que deuses de verdade, porém maiores que deuses do apartamento?
— São espíritos ancestrais — explicou Frank.

Ou seja, essa versão dos lares não são espíritos das coisas, ou seres que sempre foram etéreos, como os venti. Os lares a que somos apresentados são realmente fantasmas. Em algum momento foram seres vivos, morreram e, por algum motivo, seus espíritos não estão no reino de Plutão e permanecem interagindo com os vivos. Aliás, fora do reino mas ainda dentro da sua esfera de poder de Plutão:

Cato, o fantasma, bufou.
— Todos sabemos como aquilo acabou! Nós, os Lares, lembramos bem!
Os demais fantasmas resmungaram, concordando.
Nico encostou o dedo nos lábios. De repente, todos os Lares ficaram em silêncio. Alguns pareciam alarmados, como se suas bocas tivessem sido coladas.

Nesse trecho, Nico di Angelo, filho do Senhor do Submundo, faz com que todos os lares fiquem em silêncio. Em uma situação anterior ele chega a puxar Vitellius, o lar da Quinta Coorte, pela orelha!!!

Nico, o encantador de lares e uma Mastim Infernal
Esse desenho foi feito em 2022 para o evento Geração Meio-Sangue

Os lares participam das reuniões do Senado, conversam com os legionários, ensinam técnicas, treinam os recrutas, etc. São uma presença constante dos ancestrais no Acampamento Júpiter, que é o herdeiro e mantenedor do legado de Roma, e quem melhor que para ensinar o mos maiorum (o modo dos antigos) que os próprios antigos?

Na narrativa do Riordanverso a existência deles serve principalmente para materializar uma linha de continuidade entre a Roma da antiguidade e a Nova Roma dos tempos atuais. A herança familiar representada nos Legados e a presença "viva" dos antepassados cimentam o papel do Acampamento Júpiter como a "continuação" de Roma e suas tradições, um contraste bem forte com o Acampamento Meio-Sangue, que excetuando o background mitológico é praticamente desconectado do mundo grego.

terça-feira, 7 de maio de 2024

Quer Fazer a Sua Corrida de Megalesia?

No último post mostrei o jogo que fizemos para aquecer os motores para o Megalesia Ludi: o Megalesia Circus, uma corrida para buscar o culto de Cibele lááá na Frígia e trazer para Roma. Como achei o jogo divertido, vou colocar aqui as instruções se quiser fazer o seu.

Esse é o tabuleiro do Megalesia Circus, com as cinco paradas em destaque.

A primeira parte é ter o tabuleiro e montar pelo menos cinco desafios interessantes para cada uma das bases principais: Roma, Delfos, Pessino, Cnossos e Siracusa. Aí vale a pena ou olhar a história da busca da deusa Cibele (que tem no último post), ou a história de cada lugar, ou alguma lenda ou característica associada a eles. Essa foi a lógica que segui para as provas de cada casa numerada nessa edição:

  1. Roma: no relato da busca de Cibele, a missão foi criada a partir de uma consulta aos Livros Sibilinos. Profecias costumam ser difíceis de interpretar, portanto um desafio de decifrar código pareceu bem apropriado;
  2. Delfos: Xiiii, aqui é conhecido por profecias de novo. Colocar outro desafio de código fica bem repetitivo, né? Para escapar dessa sinuca o desafio de Delfos foi um caça-palavras para identificar diversos personagens, deuses e itens relacionados a profecias;
  3. Pessino: É, aqui eu fiquei sem idéias, a cidade em si não ajuda, a principal aparição dela nas histórias é exatamente o fato do templo de Cibele ficar aqui. Usando a deusa como base, como muitos dos nomes dela são relacionados a "mãe", a prova foi identificar várias mães da Mitologia escritos em uma língua "estrangeira";
  4. Cnossos: Lar do Minotauro e do Labirinto. a prova óbvia seria algo envolvendo labirinto, né? Mas prova de labirinto dá trabalho, então fui por outro caminho. A ilha de Creta e a civilização minoana tem uma relação forte com touros, então a prova aqui foi uma palavra cruzadas para revelar qual divindade estava relacionada a cada animal;
  5. Siracusa: A ideia inicial era fazer uma espécie de Batalha Naval usando o raio de calor inventado por Arquimedes. Mas Batalha Naval tem o mesmo problema de Labirinto: dá trabalho. Arquimedes foi estabelecido no Riordanverso com o maior filho de Hefesto que já existiu. Ok, a prova foi relacionada às obras de Vulcano. Resolver anagramas com diversas coisas criadas pelo deus das forjas.

Tem o tabuleiro e tem seus desafios? Agora tem que cuidar das casas pelo caminho. Tinha feito as cores diferentes para ser fácil de diferenciar uma casa da outra e destacar um pouco do fundo bege, mas acabaram sendo úteis para outra coisa: usei as cores para separar os tipos de provas de quem caísse em uma dessas casas. Claro, não podiam ser provas difíceis iguais as das bases, a ideia é só providenciar um pouco de desafio, não deixar ninguém maluco. Caso os jogadores não conseguissem resolver o desafio, tinham que voltar uma casa. E quais eram os tipos de provas?

  • AMARELO: Provas artísticas, gravar um vídeo rápido, cantar uma música, escrever uma poesia, desenhar alguma coisa. O importante é cumprir as regras: se é para desenhar um dragão de duas cabeças, tem que lembrar um dragão e ter duas cabeças;
  • LARANJA: Provas de texto/agilidade, remover as vogais de um texto, inverter as letras, escrever de trás para frente, etc. Isso é chatinho de corrigir, vale a pena manter os textos razoavelmente curtos e depende da prova um gabarito a mão para comparar;
  • VERMELHO: Perguntas e respostas do Riordanverso. O ideal é que a pergunta seja direta e a resposta curta e simples. A pergunta não precisa ser necessariamente fácil, pode ser algo obscuro, mas a resposta precisa ser simples, nada do jogador fazer um podcast para responder.

Um ponto que eu acho importante é uniformizar a grafia dos nomes para os jogos, tem muitas provas que dependendem de como se escreve um nome. A fonte de autoridade eram os livros do Rick Riordan. Então, quando havia várias versões diferentes do mesmo mito, valia a que estivesse escrita nos livros. E nas provas de caça-palavras, cruzadinhas, traduções, etc? A grafia nos textos das provas era sempre a dos livros. Facilita para os jogadores e para quem vai corrigir.

Nas perguntas e respostas aí fica a gosto de quem aplica se vai aceitar grafias diferentes ou não. Costumo usar a regra do "deu para entender? Tá valendo!", mas sei que isso não agrada a todo mundo.

Ah! E para montar os desafios em cada casa do mapa dá para seguir dois caminhos:

  1. Um pool com problemas de cada tipo. Para cada jogador que chegar em uma casa amarela, pega um desafio artístico do pool. As provas não se repetem, mas também não tem relação com o caminho.
  2. Cada casa tem o seu problema específico. Quando o jogador chegar na casa amarela perto da ilha de Lesbos, o desafio artístico ser uma poesia. A experiência fica mais imersiva com os desafios direcionados para a posição do jogador no mapa, mas as provas se repetem sempre.

Nos jogos online que fizemos e que a ideia era jogar uma vez, usamos a estratégia 2. Inclusive porque os desafios eram aplicados em grupos separados. Apesar das provas se repetirem, um grupo não via a solução dos outros. Se for jogar presencial ou com todo mundo no mesmo grupo, acredito que jogar com a estratégia 1 seja bem mais válido e divertido.

Para andar pelas casas, pelo tamanho do mapa, não é bom usar direto um dado de seis faces (1D6), utilizaria ou 1D6/2 (joga um dado de seis lados e divide o resultado por dois e arredonda para o inteiro imediatamente acima: 1 e 2 são 1; 3 e 4 são 2,; 5 e 6 são 3) ou 1D4. Se quiser, pode usar cartas, roleta, cartela de números, dados no celular, etc. O importante é ter um jeito para os jogadores caminharem pelo mapa e que não seja previsível.

E é isso, prepare o seu mapa, monte seus desafios e divirta-se na Corrida Maluca para buscar Cibele na Frígia e trazer a Roma!

terça-feira, 30 de abril de 2024

A Corrida (Maluca) de Megalesia

No final de semana do dia 28/04 tivemos um evento do Acampamento Júpiter SP: um piquenique com treino de swordplay usando o nome do festival romano Megalesia Ludi. Os jogos de Megalesia. Esses jogos foram criados em homenagem a uma deusa "importada" da Frígia que atende por um montão de nomes diferentes: Deusa Frígia, Cibele, Mãe dos Deuses, Deusa Mãe, Grande Mãe, Magna Máter, etc. Agora, como que uma deusa lá da Frígia acaba em Roma e, ainda por cima, ganhando jogos em homenagem a ela e tals?

E por "deusa lá da Frígia acaba em Roma" entendam exatamente isso: uma delegação saiu de Roma, foi até a Frígia onde ficava o templo principal da deusa, na cidade de Pessino, pegou a imagem da deusa e um grupo de sacerdotes e trouxeram toda essa galera para Roma.

Sendo sincero, essa jornada para buscar a imagem é muito mais interessante para mim que os jogos em si. Aliás, interessante o suficiente para ser utilizado como background para fazer umas atividades online! E foi exatamente isso que fizemos: em um "esquenta" para o evento presencial, simulamos em um jogo de tabuleiro a corrida contra o tempo com as etapas da viagem para buscar Cibele.

Tabuleiro do jogo Megalesia Circus

Para os prêmios de cada etapa, já que é uma viagem por várias cidades, fiz cartões postais da Mercurius Express Delivery, um para cada uma das cinco paradas da viagem e um último para a entrada triunfal da deusa em Roma

Os cinco postais do caminho:
1. Roma, 2. Delfos, 3. Pessino, 4. Cnossos e 5. Siracusa

Claro, tomei algumas liberdades criativas com o caminho que aparece no jogo. Roma, Delfos e Pessino aparecem no registro dos historiadores romanos, mas precisava que fossem cinco bases (uma para cada dia útil da semana) e fazer um circuito de corrida, então fiz um arco entre Pessino e Roma para a viagem de volta, dei uma ajustada no tamanho de cada trecho e escolhi dois pontos com alguma relação com os livros do Rick Riordan:

  • Cnossos, na ilha de Creta: lar do Minotauro, um dos primeiros monstros que Percy Jackson enfrenta e ponto de origem do Labirinto de Dédalo; e
  • Siracusa, na ilha da Sicília: onde vivia Arquimedes, um dos maiores inventores e grande matemático dos tempos antigos. No Riordanverso é tido como o "maior filho de Hefesto que já existiu". Porque Hefesto e não Vulcano? Porque era grego. Ninguém é perfeito, né?

Mas afinal, porque a delegação romana está fazendo essa tour pelo Mediterrâneo Oriental?

O início da corrida: ROMA

Tudo começa na Segunda Guerra Púnica, o segundo grande confronto entre Roma e Cartago. Aníbal Barca saiu com suas tropas da Península Ibérica, passou pela Gália e invadiu o território italiano. Ou seja, um inimigo poderoso estava próximo de Roma e conseguindo uma série de vitórias. Ao lado de medidas bem práticas para a defesa, como reforçar as posições nas ilhas, construir novos navios de guerra e levantar novas Legiões para enfrentar o general cartaginense, o Senado decidiu consultar os Livros Sibilinos, um conjunto de textos proféticos e soluções para os problemas futuros.

A resposta que conseguiram interpretar dos livros para essa situação de um general estrangeiro, ameaçando a República com seus exércitos já em solo romano era simples: deveriam trazer a deusa Frígia para Roma. Os romanos levavam as Profecias Sibilinas muito a sério, por isso foi formada e enviada a delegação para a Frígia, para trazer a Mãe dos Deuses para viver em Roma.

Primeira parada: DELFOS

Tá, os romanos levavam a sério as Profecias Sibilinas, mas trazer uma deusa láááá da Frígia para Roma parecia uma coisa solução meio estranha para o problema. Talvez um esquema meio homeopático de combater a doença com seu igual? Enfrentar o inimigo estrangeiro com uma deusa estrangeira? Os Livros Sibilinos não poderiam estar errados, mas a interpretação sim. Para confirmar a profecia e aproveitando que era caminho mesmo, a delegação romana foi consultar o mais famoso oráculo do mundo antigo: o Oráculo de Delfos.

O Oráculo confirmou a interpretação de que o culto da Mater Deum Magna Idaea deveria ser introduzido a Roma e ainda acrescentou: o rei de Pérgamo, Átalo Sóter, poderia ajudar a conseguir esse objetivo e que deveriam garantir que quando a deusa chegasse a Roma deveriam ser recebida pelos melhores homens de Roma. Com essa resposta, o grupo romano seguiu viagem rumo a Pérgamo, para conversar com o seu aliado lá: o rei Átalo Sóter.

Metade da jornada: PESSINO

A delegação romana incluía Marco Valério Levino, que já conhecia o rei Átalo Sóter. Para falar a verdade nesse pedaço da história tem uma certa confusão: uns dizem que o rei topou de primeira entregar a deusa, outros que ele ficou enrolando mas uma chuva de pedras fez ele mudar de ideia rapidinho; uns dizem que a imagem estava bem pertinho de Pérgamo, no Monte Ida, outros que estava lá no templo de Pessino. Uns que ele mandou buscar, outros que ele guiou a delegação até lá... o que interessa é que a delegação conseguiu a imagem da deusa e uns sacerdotes para ir até Roma. Ah, já comentei que a imagem da deusa era uma pedra? Uma pedra que caiu do céu, mas uma pedra. Bom, depois de dois oráculos (os Livros Sibilinos e o de Delfos) falarem que era para levar a pedra para Roma, quem vai discutir, né?

As duas paradas da viagem de volta: CNOSSOS e SIRACUSA

O caminho de volta pelo jeito foi bem tranquilo, nenhuma das fontes fala nada a respeito. Eles estavam em cinco quinquerremes, navios grandes de guerra, um dos objetivos da escolha desses navios era justamente impressionar os outros e demonstrar o poder de Roma. Acredito que dificilmente piratas, ou até mesmo navios batedores da marinha cartaginense, iriam querer atacar esse grupo. Outro ponto para o retorno transcorrer sem maiores problemas é que perto da península Itálica os navios da República de Roma tinham razoável domínio dos mares.

Última parada: ROMA

E finalmente chegamos de volta a Roma! Trazendo a deusa Frígia e seu estranho culto para as terras da República. Ela foi bem recebida pelos maiores e mais nobres cidadãos romanos, ganhou uma procissão pela cidade e jogos foram promovidos. Posteriormente a Megalesia Ludi foi incluída no calendário de festivais e jogos romanos e, por fim, o templo de Magna Máter foi construído no monte Palatino. Uma posição de grande honra e destaque. Mais uma vez Roma prova a sua força integradora.

terça-feira, 16 de abril de 2024

Magos e Egito

Esse final de semana eu fui no evento de inauguração da Casa da Vida aqui em São Paulo. Não se preocupem, os ardilosos feiticeiros do deserto não conseguiram me seduzir e continuo tão romano quanto antes. Não por incompetência deles, os magos da Casa da Vida são muito bons nesse lance de feitiçaria e convencimento, fizeram um ótimo evento, bons brindes e tudo muito divertido... mas a missão era difícil: tenho interesse bem próximo de zero no Egito Antigo.

Até tenho algum interesse nos conflitos do Egito a partir Império Novo: as guerras com os hititas, assírios, babilônicos, persas e a conquista por Alexandre. O Egito dos Ptolomeus já me chama mais a atenção, está mais bem situado na minha janela de interesse do mundo greco-romano, e as lutas entre os diadochi tem impacto direto na evolução da República Romana. Ou seja, algum interesse pela história do lugar quando se envolve com o mundo greco-romano e zero interesse na mitologia egípcia. Esse desinteresse no Egito se reflete na minha falta de vontade em ler as Crônicas dos Kane, até acredito que seja legal, mas devo esperar o filme.

Na realidade queria aproveitar a inauguração da Casa da Vida de São Paulo, não para expôr as minhas falhas literárias, mas para falar alguma coisa sobre essa ensolarada província romana. E por que não falar de como era vista pelos romanos a relação entre a magia e o Egito?

Zia Rashid, maga da Casa da Vida especializada no elemento Fogo

E qual é essa relação?

Em uma trend que parece bem comum, os gregos relacionavam as artes mágicas com conhecimentos que vinham de terras antigas e exóticas. Sim, bem antes da síndrome de vira-lata brasileira que acredita que tudo que vem de fora é melhor e seguindo a sabedoria bíblica que "Nenhum profeta é aceito em sua terra", para a magia ganhar confiabilidade e autoridade, ela tem que vir de algum outro lugar e ter raízes na antiguidade.

A palavra magos se refere a um (tipo de?) sacerdote do zoroatrismo na língua persa. A Pérsia se encaixa em um império antigo, distante, exótico e, na época em que temos os primeiros registros do uso de magos por um autor grego, estava em guerra com as poleis gregas. Atribuir poderes, armas e costumes sinistros aos inimigos é outra prática comum desde o início dos tempos. Quem não quer impedir que sacerdotes que sacrificam criancinhas invadam a sua terra? Ou destruir armas de destruição em massa antes que sejam utilizadas contra você?

Voltando ao assunto principal, já que os magoi vieram da Pérsia e do oriente, era natural que os vários conhecimentos ocultos e misteriosos relacionados a eles também viessem de lá. A astrologia grega tem muitas evidências de ser baseada na astrologia babilônica, Zoroastro era considerado na Grécia como sendo o primeiro mago e muitas práticas mágicas dos gregos apelavam para origens mitológicas persas ou babilônicas.

E onde entra o Egito nessa história?

Ora, o Egito também se encaixa na definição de um império antigo, exótico para os olhos gregos e com a vantagem de ser fisicamente mais próximo. Era razoavelmente mais fácil para um mercador grego ver as estátuas dos deuses com cabeças de animais, as pirâmides e os outros monumentos egípcios, que ver os zigurates da Babilônia. Pontos adicionais pela magia permear a população egípcia, dos faraós aos camponeses. Um viajante ocasional teria esse contato e histórias para contar voltando para casa.

Já em Homero temos uma amostra do resultado dessas histórias, a poção do esquecimento que Helena de Tróia coloca no vinho vem do Egito, conforme podemos ver na Odisséia:

Outro feliz parecer teve Helena, de Zeus oriunda:
deita uma droga no vaso do vinho de que se serviam,
que tira a cólera e a dor, assim como a lembrança dos males.
Quem quer que dela provasse, uma vez na cratera lançada,
não poderia chorar, pelo menos no prazo de um dia,
mesmo que o pai e a mãe cara privados da vida ali visse,
ainda que em sua presença, com o bronze-cruel, lhe matassem
o filho amado ou o irmão e que a tudo ele próprio assistisse.
Tão eficazes remédios a filha de Zeus possuía,
e salutares, presentes da esposa de Tão, Polidamna,
da terra egípcia, onde o solo frutífero gera abundantes
drogas, algumas benéficas, outras fatais nos efeitos.
Todos os homens são médicos lá, distinguindo-se muito,
pelo saber, dos demais, pois descendem da raça de Péone.

Odisseia - Livro IV, 219 - 232
tradução de Carlos Alberto Nunes

Acho que o trecho mais interessante é o estereótipo que "Todos os homens são médicos lá, distinguindo-se muito, pelo saber". Olha aí a sabedoria antiga! E mais ainda: onde está "drogas" no original é φάρμακα (fármaca). Hoje usamos no sentido coloquial a palavra derivada, fármaco, apenas para remédios, mas para o mundo grego φάρμακα tem conotações mágicas: serve tanto para os óleos, ungüentos e poções, como para o componente não material de um encantamento ou maldição. Pelo texto, eu diria que o φάρμακα que Helena está usando é uma poção feita com conhecimentos mágicos, tão mágica quanto a que Medeia usou para adormecer o dragão que guardava o Velocino de Ouro:

Com um ramo recém-cortado de zimbro embebido
numa poção, ela aspergia as drogas puras sobre seus olhos,
valendo-se de um feitiço, e o forte odor da droga por toda parte
provocou-lhe sono. A serpente reclinou a mandíbula
no próprio chão e, muito atrás, os imensos anéis
estendiam-se através da densa floresta.

Argonáuticas - Livro IV, 156 - 161
tradução de Fernando Rodrigues Junior

Mais tarde, ao derrotar o gigante Talos, Medeia é chamada de πολυφαρμάκου, "a de muitos feitiços". E Medeia é mais um elo nessa nossa conexão "egípcia", uma vez que, segundo Heródoto, o povo da Cólquida era descendente de membros do exército do Faraó Sesóstris, que se fixaram na região do rio Fásis. Não a toa Medeia era tão hábil nas artes da magia: neta do Sol, sobrinha de Circe, sacerdotisa de Trivia e descendente dos egípcios.

A aparição do Egito na Odisseia como terra de poções e homens sábios, reflete a opinião da época. Com a conquista do Egito por Alexandre e depois o estabelecimento da dinastia dos Ptolomeus essa fama fica ainda mais forte. Uma parte pelo contato maior com o mundo grego e outra parte pela fundação do templo das Musas (Μουσεῖον, ou Museu) em Alexandria por Ptolomeu Soter e seu filho, Ptolomeu Filadelfos.

Um dos objetivos do Museu era atrair os maiores sábios e ter cópias de todos os livros do mundo. Ou seja, o lugar com fama de ser repositório de sabedoria antiga agora era realmente o local com a maior concentração de sábios e efervescência intelectual do Mediterrâneo antigo. Apolônio de Rodes, o autor das Argonáuticas que citamos há pouco, foi um dos sábios a serviço do Museu de Alexandria. Para completar, os campos vinculados a magia (astrologia, medicina, botânica, alquimia, etc) faziam parte das pesquisas e discussões cultivadas lá. Juntou a fama com a realidade.

E, claro, no Egito Ptolemaico os faraós eram gregos, a classe dominante era grega e a maior parte dos sábios gregos também. Uma situação que incentivou um sincretismo agressivo entre os deuses e a magia das duas culturas. A bagunça chega em um nível que, entre os papiros mágicos que sobreviveram, é possível encontrar alguns em que o texto está em mais de uma língua (útil para dar ordens a espíritos estrangeiros) e invocando deuses gregos, egípcios, babilônicos, persas e até mesmo "Iao" o Deus único dos judeus.

Esse é o Egito que virou província romana depois da morte de Cleópatra: um caldeirão de diferentes tradições e sabedorias misturadas. Junto com a província e uma quantidade obscena de trigo, veio também a fama e tradição de magia. A fama era tão forte que várias práticas que eram de origem romana ou grega, para se vestir de autoridade, diziam ter raízes no conhecimento egípcio (diga-se de passagem, o que até hoje se faz muito).

Para fechar o artigo, um exemplo da influência egípcia na magia de Roma: por volta de 1850 próximo a Via Appia foi escavado um túmulo. Lá foram encontrados 56 chapas de chumbo com inscrições, essas chapas de chumbo são chamadas defixiones e eram utilizadas principalmente para maldições e encantamentos.

Sem muita novidade, essas tabuinhas com maldições já eram tradicionais tanto em Roma como na Grécia. Agora vem a parte interessante... o nome dos amaldiçoados eram romanos, escritos com caracteres gregos, a mesma língua em que estavam as maldições, e invocavam Cibele, uma deusa frígia incorporada ao panteão romano e Osíris, um deus egípcio. As invocações greco-egípcias estavam no coração do Império.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Juventa Jeebies

No livro O Cálice dos Deuses aparece o centro de diversões "Hebe Sinistra", se você achou que em português ficou meio óbvio quem é a dona do centro de diversões, não se preocupe que no original é "Hebe Jeebies", óbvio igual. Vou evitar entrar em spoilers a respeito do livro, o que interessa para esse post é que dentro desse centro de diversões tem dois pontos relacionados a Hebe:

  1. Juventude, que é o domínio da deusa e
  2. Galinhas! Que são o seu animal sagrado!

Bom, para mim parece natural que se o aspecto grego da deusa da juventude tem pelo menos um centro de diversões em Nova Iorque (será que é uma rede?), o aspecto romano também deve ter o seu, aposto que nas proximidades do Acampamento Júpiter, provavelmente em São Francisco.

Então, apresento a vocês uma amostra do Juventa Jeebies! Com fliperama, brinquedão, piscina de bolinhas, karaokê e muito mais!

Deu um trabalhão fazer esse desenho!

Usei a versão incompleta desse painel como uma das provas dos Idos de Março Sem Sangue 2024. Foi a prova mais terrível para corrigir, mas pareceu que foi uma que as pessoas mais gostaram de fazer! Se quiser brincar um pouco, basta encontrar e contar na imagem:

  • Todas as galinhas (tem um monte)
  • Todos os pintinhos (acho que são menos que as galinhas, mas são menorzinhos e se escondem melhor)
  • Todos os bebês

É um passatempo razoável para quem faz, e pavoroso para quem corrige. Ainda mais que eu não fui muito inteligente e não contei nenhum desses itens enquanto colocava eles na imagem. Agora, por que motivo as galinhas sagradas estão todas soltas? Por que tantos bebês correndo desgovernados? O que está acontecendo aí?

Juventa, sendo a deusa da juventude, se apresenta sempre como a pessoa mais nova do recinto. Não faz muito tempo Annabeth e Percy Jackson utilizaram esse hábito para fazer a deusa rejuvenescer até ser um bebê de colo e forçá-la a ajudá-los. Teria tudo para ser uma daquelas situações que ocorrem apenas uma vez, mas Grover é um boca aberta e as notícias correram pelos seres mágicos da Natureza.

As notícias tanto correram que alcançaram os faunos do Acampamento Júpiter, que viram a oportunidade de conseguir vários trocados, jogar fliperama e se entupir de pizza. Claro, para conseguir ajuda de uma ONG de defesa dos direitos dos animais, o discurso utilizado pelos faunos foi que era necessário agir para "Libertar as galinhas do cativeiro!"

E assim aconteceu. Enganados pela lábia dos faunos, os militantes da ONG invadiram o Juventa Jeebies e abriram a porta do galinheiro. Sem perder tempo as galinhas saíram correndo por todo o centro de diversões, causando um caos razoável! O final da manifestação era pegar vários dos pintinhos e levá-los para soltar no karaokê, fazendo uma instagramável onda amarela de pintinhos correndo. Por que no karaokê? Porque era lá que a dona do local ficava, indiferente aos (supostos) maus-tratos que as galinhas sofriam!

O plano deu mais ou menos certo. Uma coisa é levar um pintinho para desbalancear os poderes da deusa outra completamente diferente é soterrá-la em um mar de pintinhos!! Os poderes de Juventa se descontrolaram, transformando imediatamente todos os militantes da ONG em bebês e a aura de juventude que a deusa emite passou a atuar de maneira muito mais rápida e agressiva, rejuvenescendo várias das galinhas fugitivas em pintinhos e muitos dos clientes em bebês!

Os faunos até conseguiram os trocados e as pizzas. Jogar fliperama ficou para depois, porque a onda de juventude chegou a transformar alguns deles em cabritinhos e eles acharam melhor voltar para o Acampamento Júpiter com os resultados do saque e fingindo que não tinham nada a ver com isso. Como um deles falou quando foi interrogado pelo Pretor: "Tecnicamente não temos nada a ver com isso. Não libertamos galinhas, não espalhamos pintinhos, não postamos nada no Instagram..."

Agora a aura de juventude está descontrolada e já algumas quadras de São Francisco estão tomadas por bebês. A maior parte da Legião não pode enfrentar essa ameaça: se conseguissem atravessar a área de rejuvenescimento, quando chegassem até a porta do Juventa Jeebies os jovens legionários estariam tão mais jovens que não iriam sequer conseguir levantar o gládio. Claro que sobrou para mim, o mais velho legionário, entrar no Juventa Jeebies, desviar das galinhas assassinas sagradas, recolher todos os pintinhos e colocar os bebês em um lugar seguro, fora do karaokê. Que Fortuna esteja ao meu lado nessa missão!

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Passaram os Idos de Março, chegaram as Calendas de Abril

"Cuidado com os Idos de Março!" - esse foi o aviso para Júlio César que Shakespeare colocou na boca de um adivinho na peça que leva o nome do cônsul romano. E por que o aviso? Porque nos Idos de Março Júlio César seria assassinado. Bem que o adivinho podia falar as coisas mais claramente, né?

Diferente do que aconteceu em 44 a.C., no Acampamento Júpiter SP passamos pelos Idos de Março e nenhum dos pretores foi assassinado. Talvez pelo Senado ser mais confiável, ou pelos pretores não parecerem que querem se tornar reis, ou outro motivo qualquer. O que interessa é que atravessamos os Idos de Março sem violência. Como fazer jogos para comemorar datas especiais é uma tradição romana, durante uma semana tivemos jogos online e desafios artísticos no Acampamento Júpiter SP.

Agora vocês já sabem porque eu atrasei os posts aqui no blog. Fiquei organizando e aplicando os jogos e acabei me desorganizando com a agenda aqui. Não participei dos desafios artísticos, eram todos relativos a música, atuação e poesia, nenhum deles o meu forte. Se bem que mesmo que os desafios fossem de áreas que eu me dou bem, fazia parte da organização e não poderia participar de qualquer jeito.

Entre os prêmios para os ganhadores estavam bottons comemorativos dos Idos de Março Sem Sangue 2024, e foi neles que dediquei meus dons artísticos!

Idos de Março Sem Sangue 2024

O desenho mostra uma moeda de ouro gravada com duas adagas, as palavras EID MAR (Idos de Março) e o ano de 2024 em algarismos romanos. Não, não vou colocar a data AUC, os algarismos já são romanos o suficiente. A moeda tem manchas de sangue e, para indicar que os Idos de Março foram sem sangue, um sinal de proibido desenhado em volta. Achei que ficou bem legal e o amarelo com o sangue me lembrou um pouco o smiley de Watchmen.

Mas, além da forma redonda, de onde tirei a ideia de fazer o botton como se fosse uma moeda? Quem acha uma boa ideia fazer uma moeda comemorando um assassinato? Bom, Marcus Junius Brutus achou. Não só achou que a ideia era boa como efetivamente cunhou essas moedas!

Na frente: BRUT IMP L PLAET CEST
(Brutus Imperador - Lucius Plateorius Cestianus)
No verso: EID MAR
(Idos de Março)

Sim, Brutus fez uma moeda com a cara dele de um lado e duas adagas com "Idos de Março" do outro! Fez isso porque ele acreditava que com o assassinato de Júlio César ele estava libertando a República Romana de se tornar uma autocracia (spoiler de 2000 anos: provavelmente ele estava certo, porque pouco depois dos liberatores serem derrotados, Roma se tornou uma autocracia).

Pessoas atentas devem ter percebido que a moeda de Brutus tem uma espécie de "dedal" entre as duas adagas e o botton comemorativo não tem. Esquecimento? Não, decisão conciente. 

Esse "dedal" é a chave para a comemoração de Brutus, na realidade isso é um chapéu chamado pileus e é um dos símbolos de Libertas, a deusa que personifica a Liberdade. Um escravo romano quando liberto tinha a cabeça raspada e recebia um pileus para cobrir a cabeça, é um símbolo de liberdade.

Com essa informação a interpretação da moeda fica mais interessante: Brutus comemora que, através do assassinato de Júlio César (as adagas) nos Idos de Março (EID MAR), ele garantiu a liberdade (o pileus) de Roma.

Agora também fica fácil saber porque o botton não tem o pileus nele: não queremos assassinatos, mas queremos liberdade para todos! Então dentro do sinal de proibido ficam as duas adagas (os assassinatos) e nenhum pileus (a liberdade).

Parte do kit de prêmios para os vencedores das provas artísticas dos Jogos dos Idos de Março Sem Sangue 2024

terça-feira, 12 de março de 2024

Neptunus Redux

Não é incomum nas competições entre fãs do Riordanverso ter provas artísticas, e um dos objetivos desse blog era ter um lugar para mostrar esses desenhos. Essa arte do Netuno que está logo aí embaixo foi uma das primeiras artes que eu fiz depois que comecei a me envolver no fandom de Percy Jackson. Também é o primeiro desenho colorido que eu fiz em muuuuuito tempo.

Netuno protegendo a viagem de um navio romano

Se lembro direito, a tarefa era desenhar um deus romano. Acabei escolhendo Netuno justamente pelo jeito que é descrito o relacionamento dos romanos com Netuno em "O Filho de Netuno":

— Sinto muito, Percy — disse Hazel. — É que... os romanos sempre tiveram medo do mar. Só usavam navios se fosse necessário. Mesmo nos tempos modernos, ter um filho de Netuno por perto é mau presságio. A última vez que um ingressou na legião... bem, foi em 1906, quando o Acampamento Júpiter ficava do outro lado da baía, em São Francisco. Houve um terremoto gigantesco...
— Você está me dizendo que ele foi provocado por um filho de Netuno?
— É o que dizem. — A expressão de Hazel era de remorso. — Enfim... Os romanos temem Netuno, mas não o amam muito.

Ou então:

— Um barco! — Octavian virou-se para os senadores. — O filho de Netuno quer um barco. Viajar por mar nunca foi do feitio dos romanos, mas ele não é muito romano!

Ok, o Rick escreve assim para dar um certo choque nos leitores, acostumados com o prestígio do filho de Poseidon no Acampamento Meio-Sangue, e trazer uns pontos de antagonismo para fazer a história andar. Mas era assim mesmo? Viajar por mar não era do feitio dos romanos? Só usavam navios se fosse necessário?

É, esse é mais um daqueles pontos em que a ficção se distancia do que a gente conhece da história. Tá, a República Romana no começo não era muito chegada em navios, quando precisava de alguns emprestava ou contratava os serviços dos povos latinos ou dos gregos, e isso funcionava bem. Mas na época da Primeira Guerra Púnica a situação mudou um pouco e a República montou uma esquadra com mais de 200 navios e foi atacar Cartago!

Mesmo sendo novatos na arte das batalhas navais, a marinha romana não fez feio na Primeira Guerra Púnica, vencendo os cartaginenses várias vezes. O feito fica mais impressionante se lembrarmos que Cartago era uma potência marítima e os romanos tinham acabado de aprender a fazer seus navios!

Mas sabe o que foi terrível para a esquadra romana durante essa guerra? Tempestades. Perderam quase todos os navios para uma tempestade em 255 aC. e de novo em 253 aC. Em uma dessas tempestades, mais de 100 mil romanos perderam a vida. É o tipo de coisa que gera um certo trauma. E quem os romanos achavam que poderia proteger os marinheiros das tempestades no mar? Se você respondeu Netuno, acertou. Então sim, os romanos temiam Netuno e agradeciam a ele quando os seus entes queridos retornavam com vida depois de uma jornada pelo mar. Esse é o Neptunus Redux (ou Neptunus Reduci), o Netuno que trás de volta o navegante.

A medida que o tempo passou e a República conquistou novas terras, o transporte marítimo se tornou essencial: tropas, tecidos, azeite, ferro, toda sorte de mercadorias e, principalmente, o suprimento de grãos de Roma iam e vinham em navios pelo Mar Mediterrâneo, que era o caminho mais curto entre Roma e as suas províncias. A última grande ameaça ao domínio romano do Mediterrâneo foi uma epidemia de "piratas", que acabou sendo resolvida em 67 aC. por Pompeu Magno, que era devoto de Netuno, comandando uma esquadra com mais de 500 navios e 120 mil homens armados.

A pirataria não deixou de existir depois da vitória de Pompeu, encontrar bandidos no mar ainda podia ser um problema para alguns viajantes azarados, mas não era mais uma ameaça a República (e depois ao Império). Definitivamente, os romanos viajavam e dominavam o mar.

Sobraram as tempestades, que não podiam ser enfrentadas pela força das legiões ou da marinha romana. Esse não era um trabalho para os mortais. Neptunus Redux

Moeda do Imperador Vespasiano, por volta do ano 70 dC, no verso a imagem de Netuno, marcada como NEPtunus REDux
(imagem extraída de Colonial Coins and Medals)